Uma boa notícia: para boa parte das empresas listadas, o anúncio de pagamento de dividendos encontra tom de celebração por parte dos investidores. No caso da Petrobras a história assumiu outros contornos.
Dois dias após a conturbada corrida presidencial, a empresa que ocupa a posição de maior produtora e exploradora de Petróleo do Brasil e se consagra como a oitava maior do mundo, anuncia o pagamento antecipado de R$ 43,7 bilhões em dividendos aos seus acionistas dando início à saga.
Críticas, revoltas, associações precipitadas de causa e consequência com as campanhas eleitorais, acusações de a empresa estar “à serviço do capital” e ainda, um pedido de suspensão movido pelo próprio Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União inundaram a internet e as manchetes.
Enquanto os críticos, avidamente, buscavam as respostas sem se demorar com a questão-problema movidos, tão somente, pela ambição perigosa de ‘ter uma opinião’, outros preferiram voltar os olhos para as perguntas que instruem a discussão; em primeiro plano, a Petrobras pode ou não distribuir dividendos antecipadamente? Este montante a ser distribuído, é justificado? E em segunda instância, aprofundando a discussão: assiste razão aos argumentos apresentados pelo Ministério Público? São válidos e apropriados?
Desprovida da pretensiosidade de esgotar a verdade ou deter a resposta correta para todas essas perguntas, prefiro ater-me aos fatos e remontar o debate às evidências concretas.
A Petrobras é uma sociedade de economia mista que detém como parte do seu bloco de controle a própria União Federal, com 28,67% de participação societária, seguida do BNDES e BNDESPar que também compõem o bloco. Dito isso, vale frisar o equívoco de qualquer linha argumentativa que visa caracterizar a distribuição de dividendos como “à serviço do capital” ou como uma usurpação de valor da sociedade, dado que como acionista controladora, a própria União beneficia-se recebendo os dividendos que lhe cabem na proporção de sua participação. Impende destacar ainda que a Petrobras no acumulado dos últimos nove meses devolveu à sociedade R$ 222 bilhões em tributos, esvai-se, portanto, qualquer tentativa de dizer que a empresa sequestra valor social.
Retornando a análise para os pilares e justificativas da distribuição de dividendos, temos no próprio Estatuto Social da companhia e na Política de Remuneração dos Acionistas, algumas respostas.
O artigo nono do Estatuto é bem claro ao dispor em seu parágrafo único que:
“a Companhia poderá, mediante deliberação de seu Conselho de Administração, antecipar valores a seus acionistas, a título de dividendos ou juros sobre o capital próprio (…)”.
Legítima é, portanto, a distribuição antecipada. Ainda assim, o subprocurador do Ministério Público vai além, e destaca, citando um artigo da Lei das Sociedades Anônimas:
“presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste.”
A gravidade do equívoco dessa manifestação está na inobservância do que constata, não apenas os números do último trimestre da Petrobras divulgados pública e abertamente, mas também na própria presunção desconcertante do subprocurador da ausência de rigor contábil da companhia. A própria Política de Remuneração aos Acionistas prevê explícitas e claras hipóteses em que tal distribuição pode ocorrer, basta consultar os documentos publicados:
“Em caso de endividamento bruto inferior a US$65 bilhões, a Companhia poderá distribuir aos seus acionistas 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e as aquisições de ativos imobilizados e intangíveis (investimentos).”
Não há de se falar, no entanto, em dividendos distribuídos ‘‘sem o levantamento do balanço ou em desacordo dos resultados deste’’, dado que o que ocorreu, a bem da verdade, foi justamente o contrário. A Petrobras no último trimestre reportou um fluxo de caixa operacional na ordem de R$ 63,2 bilhões e a sua dívida bruta ficou abaixo da ‘cifra de corte para dividendos’ acima proposta, restando em US$ 54,3 bilhões. Isso sem mencionar o nível de endividamento saudável da companhia, a julgar pela relação do EBITDA com a Dívida Líquida de 0,75x, o que significa dizer que, em menos de um ano, a empresa seria capaz de quitar suas dívidas mantendo-se o EBITDA constante.
Estaria eu incorrendo no mesmo erro que condeno, caso ousasse tomar uma conclusão precipitada sobre a obsolescência completa dos argumentos apresentados pelos subprocuradores do MP. No entanto, preliminarmente, podemos apontar que a pretensão de encaixar a distribuição de dividendos como infundada e em desacordo com o levantamento dos resultados, não procede e nem encontra lastro nas evidências concretas.
Os argumentos que dizem respeito à possibilidade de má-fé, ou que invocam que tal distribuição serviria à fins políticos, são inconclusivos. O que podemos dizer sobre eles hoje é que se conectam mais à questão de disciplina das finanças públicas e, como a União destina os recursos obtidos por meio da Petrobras, e menos à matéria societária que foi levantada visando barrar, por meio desta, a distribuição de dividendos.
Os nossos padrões cognitivos enviesados nos induzem a conclusões equivocadas, e como relembra Daniel Kahneman:
“Tirar conclusões precipitadas é eficaz se houver grande probabilidade de que as conclusões estejam corretas e se o custo de um ocasional erro for aceitável.”
No caso em questão, a probabilidade da correção nas conclusões não está do lado de quem acusa, como resta claro a partir dos números e argumentos jurídicos, e o custo de um ocasional erro, bem – este passa longe de ser aceitável.