A crise do arroz trouxe de volta o medo de um fantasma que há muito tempo assombra a economia brasileira: a inflação.
Afinal, nos últimos meses, os consumidores sentiram no bolso a alta dos produtos da cesta básica.
Além deles, carnes, frutas, verduras, leite longa vida, entre outros, tiveram forte remarcação de preços nas gôndolas.
É uma experiência muito parecida com a que muitos leitores viveram no auge da hiperinflação em nosso país.
Quem não se lembra dos “fiscais do Sarney”?
Nos idos da década de 1980, na tentativa atabalhoada de frear a inflação, o governo implantou o fatídico Plano Cruzado.
“Cada brasileiro e brasileira deverá ser um fiscal dos preços, um fiscal do presidente, para a execução fiel desse programa em todos os cantos deste país.”
Assim se pronunciava o então presidente José Sarney enquanto insumos básicos sumiam das prateleiras de supermercados, quitandas e vendinhas de bairro.
Será que a crise do arroz é o prenúncio da volta de um “Plano Cruzado 2.0”?
É o que discutiremos no artigo de hoje.
Os fiscais do Sarney voltaram?
A alta dos preços do arroz provocou um verdadeiro bate-cabeça na equipe ministerial do presidente Jair Bolsonaro.
Um pacote de cinco quilos de arroz, que custava em torno de R$ 15 reais chegou a atingir R$ 40 em algumas regiões do país.
O mandatário vinha insistindo para que os donos de supermercado fossem “patrióticos” e tivessem um lucro “próximo a zero”.
As similaridades com o governo Sarney na tentativa de controlar a fórceps o livre mercado só aumentavam.
Não demorou para que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, notificasse as empresas que produzem, distribuem e vendem alimentos da cesta básica.
Queremos “coibir aumentos arbitrários”, explicou a Senacon.
A crise do arroz colocou à prova a linha liberal que o governo dizia seguir.
Sem entender muito bem como funciona a lógica do mercado, a secretaria declarou que queria “aferir qualquer abusividade” de segmentos da cadeia de abastecimento.
Mas, afinal, existe mesmo algum abuso por parte dos produtores e comerciantes?
O que explica, então, a crise do arroz?
Vamos analisar agora mais a fundo os elementos que contribuíram para esse estresse momentâneo dos preços.
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O que explica a crise do arroz?
A crise do arroz pode ser explicada por 3 fatores principais:
- Restrição de oferta e aumento do consumo;
- Aumento da renda via planos de auxílio emergencial;
- Alta do dólar.
Abaixo confira um mapa animado que faz um panorama da estocagem de arroz nos armazéns públicos por ano.
Antes os armazéns públicos estocavam milhões de toneladas de arroz, visando manter o controle dos preços nos períodos de entressafra.
Mudança de hábitos
A verdade é que o brasileiro, nas últimas décadas, já vinha mudando seus hábitos de consumo e deixando o arroz de lado.
A área plantada no ano passado caiu de 2,9 milhões de hectares para 1,7 milhão. A produtividade do campo, no entanto, cresceu 59%, ajudando amortecer a queda de produção.
A crise do arroz, na verdade, se deve a uma situação bastante específica do mercado.
Nas últimas cinco safras, por exemplo, muitos produtores vinham vendendo o arroz abaixo do seu custo de produção para escoar o estoque.
Não é difícil perceber, portanto, que os arrozeiros já operavam com prejuízo ou lucro próximo a zero.
Pandemia aumenta consumo do arroz no mundo
A situação de confinamento, no entanto, forçou as pessoas a ficar em casa. Isso incentivou o consumo de alimentos de preparo rápido e fácil, como o arroz.
Em entrevista à revista Globo Rural, Guilherme Viana, analista da Safras & Mercado, esclarece o seguinte:
“A indústria afirma que o varejo apresentou uma demanda três vezes superior à observada no ano passado no início da pandemia, nos meses de março e abril.“
A fórmula para a crise do arroz estava dada.
O repentino aumento do consumo provocado pela pandemia encontrou um mercado que amargava prejuízos há vários anos. Os estoques que antes eram vendidos abaixo do custo começaram a fazer falta com a disparada da demanda.
Resultado: os preços subiram.
No entanto, essa realidade não aconteceu apenas no Brasil.
Para garantir o abastecimento interno, diversos países proibiram a exportação de vários insumos básicos, como o arroz.
De uma hora para outra, começou a faltar arroz no mundo.
Combine isso à alta do dólar e o estopim está aceso.
Desvalorização cambial incentiva exportação
O produtor rural, evidentemente, enxergou nesse aumento de demanda a oportunidade para reverter seus prejuízos anteriores e fazer caixa.
Ainda mais com a alta do dólar e o aumento das exportações.
Entre ganhar com o real desvalorizado ou lucrar com a moeda americana em disparada, os arrozeiros ficaram com a segunda opção.
No período de janeiro a agosto deste ano, as exportações de arroz do Brasil aumentaram 73,6% em comparação com o ano passado. Contudo, as remessas ao exterior somaram 1,5 milhão de toneladas.
Aumento da renda
Para completar a crise do arroz, os necessários planos de distribuição de renda aumentaram as idas dos brasileiros ao supermercado.
Diversos estudos mostram que os beneficiários do auxílio emergencial priorizaram a compra de produtos básicos.
Não é difícil prever o que aconteceu: os consumidores se depararam com produtos mais caros nos supermercados.
A Crise do Arroz é sinal de que a inflação chegou para ficar?
Em um artigo recente sobre a taxa Selic, explicamos o que é a inflação e como ele impacta a economia.
Leia mais: Taxa selic: O que é e como pode influenciar seus investimentos
O fenômeno inflacionário se torna uma patologia econômica quando ocorre um aumento recorrente e generalizado dos preços. Não é isso que estamos vendo atualmente.
Em sua coluna semanal no Infomoney, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, explica como funciona a dinâmica de preços:
“Preços são o elemento central de coordenação numa economia de mercado: quando sobem, desestimulam o consumo e incentivam o aumento da produção; em queda, produzem o efeito oposto.”
Só haveria razão para preocupação se houvesse sinais de contaminação dos demais preços pela elevação do preço do arroz, o que, em economês castiço, chamamos de “efeitos secundários”.
Não parece ser o caso. Mesmo com o aumento de preços de alimentos em geral (não só o arroz), as expectativas para o IPCA nos próximos anos, incluindo crucialmente 2021, permanecem na meta (2022) ou abaixo dela (2021), sugerindo que a alta da comida não deve ter efeitos duradouros sobre a inflação.
Percebemos, portanto, que o choque de preços provocado pela crise do arroz é passageiro e se relaciona a situações específicas de mercado.
Não estamos diante de uma alta sustentada dos preços, pois em breve a relação entre oferta e demanda se normalizará.
Por isso, não precisamos nos preocupar com a volta dos fiscais do Sarney nem com o valor amargo do preço do arroz.
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