Diante da mudança do cenário de inflação e juros, os principais family offices do mundo revisaram suas estratégias de alocação no último ano, abrindo mão da liquidez imediata para priorizar retornos maiores no longo prazo.
É o que mostra o relatório Global Family Office Report 2022, do UBS, um estudo anual que oferece insights sobre os principais desafios, tendências e oportunidades enfrentados pelos mais importantes family offices do planeta.
De acordo com o documento, entre as maiores preocupações dos escritórios que administram grandes fortunas estão a alta da inflação, a geopolítica mundial e os valuations ainda elevados em diversas classes de ativos.
O relatório do UBS é um dos mais importantes do segmento e apresenta uma análise de como estão estruturados os portfólios de famílias com alto patrimônio líquido, fornecendo dados sobre planejamento financeiro, patrimonial, tributário e sucessório.
Outra tendência importante no asset allocation desses investidores mais sofisticados está a participação maior de operações de private equity, crédito privado e investimentos sustentáveis.
Neste artigo, vamos compreender melhor como foi a atuação dos family offices em 2022 e quais lições podemos tirar das suas estratégias de investimento em um ano que foi extremamente desafiador nos mercados.
Os tópicos que vamos abordar a partir de agora são os seguintes:
O que são family offices?
Family offices são serviços especializados de gestão de patrimônio e investimentos de famílias com grandes fortunas.
São uma espécie de assessoria que cuida de todos os aspectos importantes do patrimônio dessas famílias abastadas, desde as áreas jurídica e contábil até estratégias de asset allocation em diferentes classes de ativos, como os investimentos alternativos.
O objetivo principal dos family offices é garantir que o patrimônio das famílias cresça ao longo do tempo e seja adequadamente transferido para as próximas gerações.
Existem dois tipos de family offices:
- family office próprio, também chamado de single-family office, é uma empresa criada pela família para gerir seu patrimônio e investimentos. Nesse caso, o controle total do family office é da família, e os serviços prestados serão justamente aqueles desejados por ela para satisfazer todas as suas necessidades.
- family office terceirizado, também chamado de multi-family office, é uma empresa que presta serviços para várias famílias com alto patrimônio líquido ao mesmo tempo. Nesse caso, o controle do family office é da empresa terceirizada, e os serviços prestados serão aqueles padronizados pela empresa para atender às demandas comuns das famílias.
A estratégia de alocação de ativos dos family offices depende do perfil e dos objetivos de cada família; no entanto, é possível observar algumas tendências no mercado brasileiro e mundial.
Entre os exemplos de investimentos feitos pelos escritórios familiares, podemos citar:
- Ações: Os family offices podem investir em ações de empresas públicas e privadas, com o objetivo de obter retornos de longo prazo e gerar renda por meio de dividendos.
- Títulos públicos e privados: Os family offices podem investir em títulos, incluindo títulos do governo, corporativos e municipais, como uma forma de gerar renda fixa e minimizar o risco em seu portfólio.
- Imóveis: Os family offices frequentemente investem em imóveis comerciais, como edifícios de escritórios, shoppings, hotéis e propriedades residenciais, como forma de gerar renda por meio de aluguel e valorização do imóvel ao longo do tempo.
- Private Equity: Os family offices podem investir em private equity, que são investimentos em empresas não listadas em bolsa. Esses investimentos podem gerar retornos significativos a longo prazo, mas também podem ser mais arriscados do que outros tipos de investimentos.
- Crédito privado: os escritórios familiares também investem em fundos de crédito privado que podem oferecer uma ampla gama de estratégias de investimento, como empréstimos garantidos, empréstimos não garantidos, empréstimos de primeiro e segundo grau, empréstimos mezanino, entre outros.
- Hedge Funds: Os family offices também podem investir em hedge funds, que são fundos de investimento que usam estratégias de investimento complexas e muitas vezes alavancadas para gerar retornos. Esses investimentos podem ter um alto risco, mas também têm o potencial de gerar altos retornos.
- Commodities: Os family offices podem investir em commodities, como ouro, petróleo e metais preciosos, como uma forma de diversificar seu portfólio e minimizar o risco.
- Blockchain: Alguns family offices também estão começando a investir em tokenização de ativos e criptomoedas, como o Bitcoin, como uma forma de diversificar e obter exposição a uma classe de ativos em rápido crescimento.
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Pesquisa do UBS mostra que family offices aumentam alocações em private equity
A estratégia de alocação de ativos dos family offices depende do perfil e dos objetivos de cada família; no entanto, é possível observar algumas tendências no mercado brasileiro e mundial, de acordo com uma pesquisa realizada pelo UBS.
O banco suíço elaborou o Global Family Office Report 2022, um documento que examina vários aspectos das atividades e operações dos mais importantes family offices do mundo, como estratégias de investimento, asset allocation, governança, gestão de riscos, bem como tendências e perspectivas para o segmento.
Foram entrevistados 221 escritórios de gestão de grandes fortunas familiares em todo o mundo, que disseram estar explorando novas opções de alocação em um momento extremamente imprevisível.
Além disso, esses investidores relataram que, no atual cenário, está mais complexo encontrar ativos com retornos descorrelacionados. Para 63% dos family offices entrevistados, os títulos de renda fixa de alta qualidade não ajudam mais a oferecer uma diversificação adequada de carteira.
Já para 62% dos participantes do levantamento relataram que estão realizando uma gestão mais ativa do seu portfólio, com destaque para ativos ilíquidos, cujos retornos, na visão dos gestores, são mais atraentes.
Entre as principais preocupações citadas pelos family offices entrevistados pelo UBS está a inflação, a geopolítica mundial e os valuations ainda elevados nas principais classes de ativos.
Um dado importante do relatório é que os escritórios familiares estão aumentando a participação do investimento em private equity, pois, na visão de 74% dos entrevistados, essa estratégia de alocação tende a gerar retornos maiores do que outros investimentos públicos.
De acordo com o relatório:
Os family offices estão investindo principalmente em oportunidades de equity de crescimento ou expansão, priorizando investimentos em estágios iniciais, na medida em que as participações se tornam mais caras. Três quartos (75%) dos family offices com private equity estão fazendo esse tipo de alocação. No entanto, 85% declaram que provavelmente investirão em estágios mais iniciais do ciclo de vida de um negócio em 2022, em comparação com 74% em 2021. Isso também é refletido na crescente popularidade do venture capital: 63% afirmam que geralmente investem em capital de risco, em comparação com 61% em 2021 e 53% em 2020.
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Mais da metade dos family offices tem investimentos sustentáveis no portfólio
Outro ramo importante de investimento dos family offices entrevistados pelo UBS é o fato de que mais da metade dos gestores realizarem investimentos sustentáveis.
O documento revela que 53% dos escritórios elevaram o nível de due diligence do seu processo de investimento nos últimos tempos, sendo que 41% estão alocando ativamente em empresas e setores mais focados no impacto direto de problemas reais do mundo.
Além disso, 34% dos escritórios participantes do levantamento revelaram que pretendem aumentar suas alocações em empresas e setores que demonstrem melhor desempenho quanto aos princípios ambientais, sociais e de governança (ESG).
Por que é importante entender como os family offices investem?
Por serem investidores substanciais e com influência nos mercados, os family offices normalmente acessam oportunidades que não estão abertas para investidores comuns, como grandes fundos de private equity, rodadas de investimentos de venture capital e outras classes de ativos não líquidos que, devido às regras do mercado, são restritas a determinados tipos de investidores mais informados.
De acordo com Felipe Souto, fundador e CEO do Grupo Bloxs, ecossistema de investimentos alternativos e soluções de acesso ao mercado de capitais para pequenas e médias empresas:
Os family offices buscam profissionais experientes do mercado financeiro para formar equipes multidisciplinares capazes de gerenciar da forma mais adequada sua fortuna, não apenas na questão tributária e sucessória, mas principalmente em estratégias de asset allocation capazes de expandir e perpetuar seu patrimônio. Nesse sentido, são investidores com ampla capacidade analítica dos mercados e devem ser observados de perto pelos pequenos investidores.
Felipe explica ainda que os family offices são investidores mais sofisticados e priorizam estratégias de longo prazo, com ativos capazes de gerar valor substancial para os seus portfólios, sem se preocupar tanto em ficar “girando” a carteira ou fazendo “trades” frequentes em mercados líquidos, como ações.
O foco desses escritórios é ter na carteira ativos geradores de receita não necessariamente líquidos, mas que podem entregar retornos acima dos ativos tradicionais em um horizonte de tempo mais prolongado. Por isso, entendo é que é o tipo de player que deve ser acompanhado de perto pelos pequenos investidores.
Estratégia de investimento dos Family Offices
Os family offices são considerados investidores sofisticados que buscam diversificar seus portfólios tanto nos mercados líquidos quanto em mercados alternativos, como private equity, crédito privado, venture capital, hedge funds e commodities.
Em um ambiente de inflação e juros elevados, como ocorreu em 2022, é interessante notar que esses escritórios aumentaram sua exposição ao mercado de crédito privado, buscando se aproveitar o rendimento maior desses títulos e se proteger da volatilidade do mercado financeiro.
De acordo com o Global Family Office Report 2022, do UBS, os assessores financeiros das famílias com grandes fortunas se mostraram preocupados com os valuations elevados dos ativos no mercado financeiro tradicional, especialmente diante da incerteza macroeconômica gerada pela normalização dos juros nas principais economias e riscos geopolíticos, após a eclosão da guerra na Ucrânia.
É interessante notar ainda que, segundo o estudo, do banco suíço, os family offices passaram a se interessar pelo funcionamento da tecnologia blockchain e dos benefícios da tokenização de ativos, mais no intuito de aprender seu funcionamento do que para alocar uma parte relevante da sua carteira.
Nesse cenário, os family offices estão buscando reduzir a correlação dos ativos em seu portfólio, especialmente com ativos de renda fixa de alta qualidade e priorizando retornos maiores no longo prazo, ainda que isso exija que abram mão da liquidez imediata.
O relatório aponta ainda que os maiores family offices globais estão aumentando suas alocações em operações de dívida privada, private equity, imóveis e infraestrutura.
Isso sugere que os family offices estão buscando novas fontes de retorno e diversificação em resposta aos riscos e incertezas do mercado atual. Eles estão explorando novas possibilidades e procurando diversificadores alternativos, incluindo estratégias ativas, ao lado de ativos ilíquidos e derivativos.
O documento também revela que, como o objetivo principal da maioria dos family offices de aumentar o patrimônio, mudanças bruscas no cenário econômico são uma fonte constante de preocupação para essas famílias.
Isso sugere que os family offices estão preocupados com o impacto da inflação e da instabilidade geopolítica global em seus investimentos e na capacidade de atingir seus objetivos de aumento de riqueza.