Recentemente, o Encontro Anual Drex 2023, promovido pelo Banco Central, foi palco de uma apresentação sobre os benefícios da tokenização de ativos para o mercado de capitais.
Nele, esteve presente a CBDO da Bloxs, Jessica Mota. que compartilhou alguns dados importantes sobre o tema e que iremos abordar neste artigo.
Neste contexto, exploramos como essa tecnologia pode aumentar a eficiência, reduzir custos e ampliar o acesso de empresas e investidores ao mercado. Isso porque aprofundar esse tema é essencial para compreender os conceitos fundamentais que muitas vezes são mal compreendidos.
Neste artigo, vamos falar sobre o que é tokenização, como ela funciona na prática e como a automatização pode reduzir os custos de captação no mercado de capitais.
Blockchain além das criptomoedas
Após o lançamento do projeto-piloto do Drex, moeda digital do Banco Central do Brasil, a tokenização de ativos voltou a ser um dos temas mais discutidos no mundo financeiro.
Muitas pessoas, no entanto, acreditam que os benefícios da tecnologia blockchain se restringem às criptomoedas, mas a verdade é que seus usos vão muito além de pagamentos digitais, podendo envolver:
- acordos de compra e venda dos mais variados ativos;
- administração de empréstimos e seguros;
- contratos de investimento;
- gerenciamento de risco e compliance, e muito mais.
Isso só para ficarmos na área financeira.
Mas, antes de mais nada, o que é a tokenização de ativos e como funcionam os smart contracts?
Entendendo o conceito de tokenização
Basicamente, a tokenização é o processo de converter ativos do mundo real em representações digitais.
Isso se aplica a praticamente qualquer coisa: carros, imóveis e investimentos, que podem ser transformados em um token digital, que tem seu registro de propriedade e suas transações gravados, de forma imutável, em uma blockchain.
A blockchain é um tecnologia originária do bitcoin e funciona como um sistema de blocos que valida sequências de transações, garantindo segurança e transparência.
Vamos explicar melhor esse conceito de tokenização com uma experiência mais próxima do nosso dia a dia.
LEIA MAIS: Entendendo a tokenização de ativos: uma visão abrangente para iniciantes
O que o iFood tem a ver com a tokenização?
Jessica Mota, CBDO da Bloxs, usa a plataforma iFood para exemplificar a representação digital do token.
“Quando a gente vai fazer uma compra no Ifoo, ali não são as mercadorias de verdade, são a representações digitais. Mas quando você está comprando aquilo [o produto], você está comprando o ativo que realmente existe.Então, se eu compro, por exemplo, um quilo de feijão que está na listinha do Ifood, ele existe realmente no estoque do comprador.”
Ela explica que quando você faz um pedido no iFood, por exemplo, escolhe os itens que deseja, confirma o pedido e os detalhes de pagamento são processados. O pagamento fica reservado, mas não é imediatamente transferido para o restaurante. Somente após a confirmação de entrega do pedido é que o pagamento é concluído.
Esse processo é automático e baseado em condições pré-estabelecidas – ou seja, o pagamento só é finalizado após a confirmação da entrega.
Note um ponto importante: toda essa operação ocorre sem a necessidade de intervenção manual após o pedido ser feito.
No caso dos smart contracts, o processo é bastante similar a essa experiência no iFood, pois executam as ações automaticamente, quando certas condições são atendidas.
Em uma transação imobiliária tokenizada, por exemplo, a transferência do título de propriedade pode ocorrer automaticamente assim que o pagamento é confirmado.
Essa representação digital é similar ao que vemos em aplicativos como o iFood, onde os produtos listados não são os itens físicos em si, mas apenas suas representações digitais. Ao comprar, digamos, um quilo de feijão no iFood, o que estamos adquirindo é o produto real que existe no estoque de uma empresa, e não apenas a imagem ou descrição no aplicativo.
O mesmo acontece com a tokenização, que transforma um ativo do mundo real, como um imóvel ou um investimento, em um token digital, tal como o iFood faz com a foto e a descrição de um prato de comida de um restaurante em seu app.
Em resumo, da mesma forma que o iFood, cuja plataforma permite a compra digital e a entrega física de um produto posteriormente, na tokenização, a transação do token ocorre virtualmente. O ativo real correspondente continua existindo fisicamente, mas a propriedade ou os direitos associados a esse ativo são transferidos digitalmente.
O papel dos smart contracts na automação das transações
Um ponto-chave da tokenização é a automação permitida pelos smart contracts, ou contratos programáveis, que eliminam a necessidade de interação humana, trazendo mais segurança e eficiência para as transações.
Na transferência de um imóvel tokenizado, por exemplo, o pagamento pode ser processado automaticamente sem intermediários, afastando aquela insegurança de ter que pagar antes de receber o ativo.
Esse processo é análogo ao funcionamento do iFood, onde o pagamento é bloqueado no cartão do cliente e só é efetivado após a confirmação da entrega.
A tokenização no mercado de capitais
No mercado de capitais, é possível utilizar smart contracts para automatizar o processo de investimento em uma ampla gama de ativos financeiros, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), debêntures e participações societárias em startups ou empresas maiores.
Aqui, a tokenização permite fracionar esses títulos em unidades menores, reduzindo seu preço unitário e, com isso, ampliando seu acesso a mais investidores.
Além disso, a automatização trazida pelos smart contracts reduz a necessidade de intermediários e a complexidade do processo de emissão de títulos, possibilitando sua oferta mais rápida e barata no mercado.
No caso das operações de equity, a tokenização simplifica a venda e a compra de participações, facilitando o acesso de pequenas e médias empresas, especialmente startups, ao mercado de capitais, o que reduz sua dependência ao crédito bancário caro e burocrático.
Tudo isso é feito por meio da tecnologia blockchain, que sustenta esse processo, garantindo a transparência e a segurança das operações.
Moedas digitais dos bancos centrais
Ao falar sobre tokenização e smart contracts, não poderia deixar de abordar o desenvolvimento e a implementação das moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs, na sigla em inglês) e como elas estão sendo integradas à tecnologia blockchain para revolucionar o sistema financeiro ao redor do mundo.
CBDCs são, essencialmente, a versão digital das moedas nacionais, emitidas e regulamentadas pelos bancos centrais de cada país.
Ao contrário das criptomoedas, que são descentralizadas, as CBDCs mantêm um caráter centralizado, com o endosso e a segurança proporcionados pelos respectivos governos. A integração dessas moedas digitais com a tecnologia blockchain traz grandes benefícios, como transações mais rápidas, seguras e transparentes.
Uma das principais vantagens dessa integração é o aumento da eficiência das transações internacionais. Com as moedas digitais dos bancos centrais operando em uma plataforma blockchain, a expectativa é que complicações associadas aos sistemas de câmbio tradicionais sejam bastante reduzidas, com cortes de custos, diminuição no tempo de processamento de transações e eliminação de muitas barreiras burocráticas.
Pagamentos internacionais
Empresas como a Mastercard e outros consórcios financeiros estão tendo um papel crucial no desenvolvimento de sistemas de pagamento que integram as CBDCs, a fim de criar soluções unificadas para pagamentos internacionais, que sejam não apenas eficientes e seguras, mas também acessíveis e fáceis de usar.
Essas iniciativas visam facilitar o comércio e o fluxo de capital entre diferentes países, superando as limitações dos sistemas financeiros tradicionais.
Em todo o mundo, vários países estão explorando ou já adotando suas próprias moedas digitais, como a União Europeia e a Suécia. No longo prazo, um dos objetivos é a interconexão dessas moedas digitais, possibilitando uma rede global de pagamentos digitais sem as complicações dos processos de conversão de moedas.
Democratizando o mercado de capitais
Por fim, é importante abordar o potencial transformador da tokenização em baratear o custo do crédito e aumentar a eficiência do mercado de capitais.
Primeiramente, a tokenização promete reduzir muito o custo do crédito, principalmente por conta da menor necessidade de intermediários, como bancos e outras instituições financeiras, no processo. Ao facilitar transações diretas entre as partes envolvidas, elimina-se uma série de taxas e comissões, tornando o crédito mais acessível.
Além disso, a automatização dos processos de crédito através de smart contracts em blockchain não apenas reduz os custos operacionais, mas também acelera todo o processo de transação, tornando-o mais eficiente.
No que diz respeito ao mercado de capitais, a tokenização pode trazer uma melhora sensível na liquidez.
Ativos que tradicionalmente são considerados ilíquidos, como imóveis ou participações em empresas de capital fechado, podem ser fracionados em tokens menores, simplificando sua compra e venda.
Isso pode ampliar o acesso ao capital, sobretudo para startups e pequenas empresas, que muitas vezes enfrentam grandes desafios na hora de buscar financiamento pelas vias tradicionais.
A segurança é outro aspecto crucial que a tokenização aprimora. Com transações registradas de forma segura e transparente na blockchain, há uma redução significativa nos riscos associados a fraudes e erros, aspecto extremamente importante tanto para o mercado de crédito quanto para o de capitais.
Com todos esses benefícios, a expectativa é que a tokenização não só torne o crédito mais acessível para um espectro mais amplo de pessoas e empresas, mas também fomente a inovação no mercado financeiro.
A capacidade de dar vazão a ativos tradicionalmente ilíquidos abre novas oportunidades de investimento e financiamento, potencializando o crescimento econômico e a inclusão financeira.
Conclusão
Por tudo o que vimos até aqui, a tokenização sem dúvida tem tudo para ser um fator disruptivo no mercado de capitais, trazendo eficiência, reduzindo custos e democratizando o acesso ao capital para as empresas que mais precisam, além de permitir a entrada de um público maior de investidores em oportunidades antes inacessíveis.