Impondo limites à criação e liberdade descomedida do mercado financeiro, no apagar das luzes, em meio a uma reunião extraordinária – O CMN, órgão máximo do Sistema Financeiro Nacional, editou Instrução Normativa para coibir a miríade de operações ‘criadas pela Faria Lima’ no escopo dos certificados de recebíveis agrícolas e imobiliários.
Nos últimos anos, foram tomados por manchetes de captações de diversos setores distintos, buscando conexões criativas com o lastro proveniente do agronegócio ou do ramo imobiliário. De farmácias, como a Droga Raia, captando R$ 700 milhões por meio da emissão de CRIs, até bancos e fintechs como o BTG e a chilena Creditù, os referidos instrumentos de dívida se tornaram populares como um meio atrativo de levantar recursos.
Popular por demais, talvez, na opinião do legislador – que optou por conter as engenharias jurídico-financeiras e limitar o lastro para emissão de CRIs e CRAs às empresas que tenham como principal atividade o âmbito agrícola ou imobiliário, entendido, por sua vez, como uma empresa que tenha receita consolidada de mais de ⅔ oriundos das respectivas atividades para serem elegíveis à emissão de tais instrumentos. O legislador foi além e vedou também a oferta de certificados de recebíveis agrícolas e imobiliários cujo lastro seja proveniente de títulos de dívida de instituições financeiras e suas partes relacionadas, ainda que estas figurem apenas como co-devedoras ou garantidoras.
O ‘apertar dos cintos’ regulatório resultará inevitavelmente em um menor número de emissões de CRIs e CRAs — fechando o cerco do crédito atrativo e isento de imposto para a ponta investidora e do ‘dinheiro fácil’ para a ponta emissora. Para alguns setores não diretamente ligados ao âmbito imobiliário, como o setor de energia limpa, por exemplo, a mudança implica uma redução considerável do financiamento já popularizado de projetos de energia renovável por meio de certificados de recebíveis imobiliários. Para se ter uma ideia, somando as ofertas públicas de instrumentos de dívida como CRIs, CRAs e debêntures dos últimos dois anos, chegamos ao montante de R$ 687 bilhões — deste valor, R$ 71 bilhões advêm somente do setor de energia, segundo dados consolidados da ANBIMA. No agregado de 2022 frente a 2023, a representatividade do setor de energia no número de ofertas públicas de dívida saltou 21%, evidenciando a popularidade deste formato de financiamento. Nesse contexto, a própria Moody’s havia atribuído classificação de crédito para uma empresa do setor, a RZK Energia, que captou R$ 55 milhões via CRI para financiar projetos de geração distribuída.
Curiosamente, emissões recentes como o CRI do Grupo DASA e Americanas, e o próprio CRA dos Supermercados Atacadão, pertencente ao Carrefour – não ocorreriam sob a vigência da nova regulamentação. Outras captações exorbitantes como a emissão de Certificados do Agronegócio pelo Banco BTG no valor de R$1,7 bi, estariam igualmente inviabilizadas diante do novo panorama regulatório. Dito isso, com a nova regra, veremos o fluxo de captações dos referidos certificados de recebíveis retornarem aos seus “captadores originais” nos respectivos ramos, agrícola e imobiliário, enxugando assim o acesso a crédito isento para outros segmentos desconexos destas atividades. Com essa medida, o CMN e Banco Central prometem escalar a “eficiência das políticas públicas dos setores” garantindo que os “referidos instrumentos sejam lastreados em operações compatíveis com as finalidades que justificaram a sua criação”, segundo nota da autoridade monetária.