O conceito de stewardship ganhou relevância nos últimos anos no mercado de capitais brasileiro, com o amadurecimento do setor e o entendimento da sua centralidade no desenvolvimento econômico do país.
De maneira geral, podemos dizer que essa prática promove um relacionamento mais estreito e ativo do acionista institucional com as empresas investidas, visando a sustentabilidade dos negócios e a geração de valor no longo prazo.
Essa bandeira foi hasteada inicialmente pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), em 2016, e posteriormente foi lançado o Código Brasiliero de Stewardship em parceria com o CFA Institute, delineando sete princípios que devem reger esse relacionamento e a busca de interesses comuns.
Sem dúvida, o papel dos investidores institucionais deve ir além da simples alocação passiva de capital, estendendo-se para uma atuação mais ativa na proteção e valorização dos ativos sob sua gestão.
Tal engajamento deve levar em consideração desde fatores ambientais, sociais e de governança (ASG) até um diálogo construtivo com as empresas investidas, com propostas de mudanças operacionais e melhor alinhamento de interesses estratégicos.
Neste artigo, vamos explicar melhor o que é stewardship e como os investidores institucionais se beneficiam da sua adoção transparente, na busca dos melhores interesses dos seus clientes.
Os tópicos que vamos abordar são os seguintes:
O que é stewardship e qual é a sua importância?
Trata-se de um conceito antigo calcado na tradição anglo-saxã em que “steward” era uma espécie de administrador de propriedades de terceiros, com a função de zelar por sua boa administração e garantir seu uso responsável, em linha com os interesses do proprietário.
Não é difícil perceber que tal conceito passou a ser utilizado, por extensão, em diversas outras áreas e, na gestão de ativos, ganhou um significado singular, ao definir responsabilidades para os gestores e investidores institucionais responsáveis por aplicar os recursos dos seus clientes, protegendo e valorizando os ativos sob sua administração.
O desenvolvimento do conceito de stewardship como uma abordagem formalizada na indústria de investimentos ocorreu mais recentemente, como parte dos esforços para promover a governança corporativa, a sustentabilidade e a prestação de contas dos investidores institucionais.
Organizações e associações financeiras em todo o mundo vêm trabalhando para definir os princípios e diretrizes dessa prática, criando e difundindo códigos de conduta e marcos regulatórios, no sentido de orientar a atuação responsável dos investidores e a busca pelo interesse dos beneficiários finais.
É nesse contexto que surge, no Brasil, em 2016, a primeira iniciativa formal de estabelecer um código de princípios de atuação e práticas responsáveis para gestores e investidores institucionais, como fundos de pensão, companhias de seguros, gestores de ativos e fundos de investimento, sob a iniciativa da Amec.
Como esses investidores geralmente detêm grandes participações em empresas tanto de capital aberto quanto fechado, sua influência em suas decisões estratégicas e operacionais não é irrelevante, pelo contrário, pode direcionar a administração dessas companhias na busca dos melhores interesses de todas as partes envolvidas (stakeholders).
Transparência e engajamento com empresas investidas
Nesse sentido, o conceito de stewardship incentiva esses investidores a utilizar sua influência de forma responsável, ativa e engajada, buscando o interesse de longo prazo dos acionistas e o desempenho sustentável das próprias empresas investidas, o que, ao fim e ao cabo, acaba beneficiando todo o mercado de capitais, ao permitir que as companhias se estruturem de maneira mais sólida e responsável.
Para exemplificar melhor como os investidores institucionais podem ter um papel mais ativo e engajado na alocação de capital dos seus clientes e beneficiários finais, Felipe Souto, CEO do Grupo Bloxs, ecossistema de investimentos alternativos e soluções de acesso ao mercado de capitais para empresas do Small/Middle Market, diz o seguinte:
Como “stewards”, os investidores institucionais podem se envolver em uma série de atividades atinentes ao seu mandato de gestão, como votação em assembleias gerais de acionistas, diálogo construtivo com a administração das empresas, monitoramento do desempenho financeiro e não financeiro, defesa de boas práticas de governança corporativa, sustentabilidade ambiental e social, entre outras ações que visam proteger e promover o valor dos investimentos sob sua responsabilidade.
Felipe explica ainda que a própria constituição dos investidores institucionais, como players mais bem estruturados e profissionalizados, preocupados com a geração de valor no longo prazo, faz com que naturalmente assumam um papel central na defesa da sustentabilidade das empresas e dos mercados em que atuam.
O que se percebeu como prática institucional no Brasil é que muitos gestores ainda alimentam uma visão “curto-prazista” de manter ativos no portfólio por períodos muito curtos, visando o desempenho do próximo trimestre. Isso se deve à própria característica do mercado de capitais brasileiro, afetado por taxas de juros elevadas e níveis instáveis de inflação. Isso faz com que os gestores tenham uma visão de certa forma míope de asset allocation, o que contrasta com a prática nos mercados desenvolvidos.
Em decorrência disso, a prática do stewardship acabou sendo deixada em segundo plano, na medida em que muitos gestores de recursos brasileiros não contam com uma estrutura de relacionamento de longo prazo com as empresas, considerando que grande parte das suas posições em carteira não serão mantidas por mais de um ano.
Isso, de certa forma, acaba enfraquecendo todo o mercado de capitais e repercutindo no acesso a funding principalmente por empresas de melhor porte, alijadas de condições mais favoráveis de financiamento fora das linhas tradicionais de crédito.
Como bem afirma a Amec e o CFA Institute na elaboração do Código Brasileiro de Stewardship:
O grupo entende que o desenvolvimento de atividades de stewardship por investidores institucionais promoverá a adoção de boas práticas de governança corporativa e criará valor para as empresas, pois investidores mais ativos levarão as empresas a ter processos mais estruturados de gestão dos seus negócios e de mitigação dos seus diversos riscos
Não é difícil perceber que o próprio desenvolvimento econômico do país acaba sendo afetado e reduzindo o potencial de retorno que os gestores são capazes de proporcionar em favor dos seus clientes e beneficiários finais.
Foi pensando nisso que a Amec, em parceria com o CFA Institute, resolveu criar o Código Brasileiro de Stewardship, que estabelece um conjunto de princípios norteadores da atividade institucional, incentivando seu papel mais ativo na proteção e valorização dos ativos em que investem.
De acordo com as próprias instituições:
Ao lançar o Código Brasileiro, a AMEC e a CFA Society Brazil têm como objetivo desenvolver e disseminar a cultura de Stewardship no Brasil, promovendo o senso de propriedade nos investidores institucionais e criando padrões de engajamento responsável.
Princípios do Código Brasileiro de Stewardship
Vejamos agora, com mais detalhes, quais são os sete princípios previstos nesse código e como os gestores e investidores institucionais podem se beneficiar da sua aplicação:
Princípio 1: implementar e divulgar programa de stewardship
O primeiro princípio do Código destaca a importância da implementação e divulgação de um programa de gestão ativa e responsável por parte dos investidores institucionais, com parâmetros claros e objetivos para orientar tais atividades ao longo do tempo.
O Código destaca que a governança da gestão de ativos é um processo evolutivo visando o longo prazo, e não uma decisão buscando benefícios imediatos.
Outro aspecto relevante do primeiro princípio é a necessidade de transparência em relação ao programa de relacionamento com as empresas a ser adotado.
Os investidores institucionais devem esclarecer como as diretrizes escolhidas para a interação com os emissores de valores mobiliários geram e protegem valor para os beneficiários finais, com base nos objetivos de longo prazo das partes envolvidas.
Isso cria confiança e transparência, permitindo que os stakeholders compreendam o compromisso dos investidores em gerar valor sustentável.
Princípio 2: implementar e divulgar mecanismos de administração de conflitos de interesses
O segundo princípio do Código focaliza a implementação e a divulgação de mecanismos de administração de conflitos de interesses através de mecanismos eficazes de gerenciamento.
Embora o dever fiduciário dos investidores seja agir sempre no interesse dos beneficiários finais, é comum que ocorram situações de conflito de interesses na interação com os emissores de valores mobiliários, as quais podem envolver os próprios investidores institucionais, seus beneficiários finais, diferentes segmentos de negócios dentro da instituição e até mesmo os ativos investidos.
Um exemplo de situação em que podem surgir conflitos de interesses é na decisão de voto em assembleias de acionistas. Os investidores institucionais devem gerenciar esses conflitos e adotar as medidas necessárias para que prevaleça sempre o interesse dos beneficiários finais, observando as disposições legais, como o Artigo 115 da Lei 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas.
Os gestores também devem ser capazes de demonstrar que suas atividades estão protegidas contra pressões de qualquer tipo, através da implementação de salvaguardas efetivas, de modo a garantir que as decisões e ações tomadas estejam alinhadas com o interesse dos clientes.
Para tanto, é necessário exercer uma administração que zele pela transparência e, sobretudo, pela prestação de contas. Os investidores institucionais devem divulgar seus mecanismos de administração de conflitos, demonstrando como estão protegendo os interesses dos beneficiários finais e evitando influências indevidas, o que fortalece a confiança dos stakeholders e promove a integridade e responsabilidade na condução das atividades.
Princípio 3: considerar aspectos ASG nos seus processos de investimento e atividades de stewardship
O terceiro princípio do Código coloca em foco algo que vem ganhando cada vez mais atenção dos investidores e autoridades em todo o mundo: os fatores ambientais, sociais e de governança (ASG) no processo de investimento.
Nesse sentido, os investidores institucionais devem considerar tais fatores em seu processo decisório, analisando e monitorando seu desempenho por parte dos emissores de valores mobiliários, reconhecendo seu impacto sobre o risco e o retorno das aplicações.
Ao gerir o capital dos clientes de forma prudente, os investidores institucionais devem considerar os princípios ASG como um quesito indispensável no cumprimento do seu mandato.
Para tanto, é necessário avaliar como esses fatores contribuem para o desenvolvimento sustentável das próprias empresas investidas, tendo em mente tanto os aspectos financeiros quanto os impactos sociais e ambientais das companhias.
No geral, o terceiro princípio do Código enfatiza a importância da transparência por parte dos investidores institucionais em relação à forma como consideram os fatores ASG nas alocações em portfólio.
É dever, portanto, dos gestores fornecer informações claras sobre como esses fatores são integrados em seus processos decisórios, buscando alinhar suas estratégias de investimento com empresas que demonstrem práticas sustentáveis.
Ao considerar os fatores ASG, os investidores institucionais exercem um papel fundamental na promoção da sustentabilidade e na responsabilidade corporativa no mercado de capitais, contribuindo para a criação de valor no longo prazo, além de mitigar riscos não financeiros e estimular o desenvolvimento sustentável da economia.
Princípio 4: monitorar os emissores de valores mobiliários investidos
O quarto princípio do Código Brasileiro de Stewardship destaca a importância de monitorar os emissores de valores mobiliários por parte dos investidores institucionais. Isso envolve o acompanhamento regular das empresas para avaliar seu desempenho financeiro, estratégias, riscos corporativos e políticas relacionadas aos fatores ASG (ambientais, sociais e de governança).
Os investidores institucionais devem definir seu engajamento com os emissores de valores mobiliários investidos, estabelecendo quando e como se comunicarão com as empresas em busca de um posicionamento claro e da adoção de medidas apropriadas em relação às questões-chave.
Entre as possíveis medidas a serem adotadas estão discussões sobre a estratégia corporativa, remuneração e sucessão dos administradores, mapeamento e monitoramento de riscos, bem como políticas ASG.
O quarto princípio de stewardship do Código também destaca a importância de definir a evolução do conhecimento dos investidores sobre as questões-chave dos emissores de valores mobiliários, podendo abranger aspectos estratégicos, governança corporativa, remuneração dos executivos e políticas de sucessão, além do mapeamento e monitoramento dos riscos incorridos pelas empresas.
Além disso, a interação entre investidores institucionais e emissores de valores mobiliários deve ser evidenciada em documentos internos, garantindo transparência e rastreabilidade das ações, bem como compromissos assumidos, o que fortalece a prestação de contas e a responsabilidade na gestão dos investimentos.
Princípio 5: ser ativos e diligentes no exercício dos seus direitos de voto
O quinto princípio ressalta a relevância de adotar uma postura ativa e diligente no exercício dos direitos de voto nos emissores de valores mobiliários.
De fato, o direito de voto é uma ferramenta fundamental pela qual os detentores de valores mobiliários cumprem seu papel na estrutura de governança corporativa das empresas investidas.
Os investidores institucionais devem exercer esse direito de forma ativa e diligente, reconhecendo que o voto consciente contribui para o estabelecimento de freios e contrapesos eficazes nas empresas, impactando positivamente sua performance e, por consequência, os beneficiários finais dos investidores.
Para tanto, é necessário participar ativamente das assembleias, fundamentando o voto em cada matéria discutida, além de documentar o processo de discussão interna sobre as questões em pauta e as decisões tomadas.
A renúncia ao exercício ativo do direito de voto deve ser justificada, mesmo que de forma agregada, garantindo a transparência e a prestação de contas aos beneficiários finais.
Com isso, há o fortalecimento da governança corporativa das empresas investidas, promovendo uma gestão mais transparente e responsável.
Princípio 6: definir critérios de engajamento coletivo
O sexto princípio previsto no Código Brasileiro de Stewardship destaca a importância de definir critérios de engajamento coletivo com outros investidores, quando apropriado.
Ao unir forças, os investidores institucionais aumentam a legitimidade nas questões em que desejam influenciar e otimizam custos e riscos para todas as partes envolvidas.
O engajamento coletivo pode potencializar o impacto dos investidores, permitindo uma abordagem mais abrangente e poderosa na busca por mudanças positivas nas empresas investidas.
Nesse sentido, os investidores institucionais devem definir em que situações considerarão agir em conjunto com outros detentores dos valores mobiliários.
É fundamental esclarecer se terão um papel ativo ou passivo nessa interação coletiva envolvendo questões como governança corporativa, sustentabilidade, remuneração de executivos e outros aspectos relevantes para o desempenho sustentável das empresas.
Além de fortalecer sua posição e influência perante os emissores de valores mobiliários, o engajamento coletivo pode otimizar custos e riscos, uma vez que os esforços são compartilhados entre os investidores participantes, melhorando os resultados.
Princípio 7: dar transparência às suas atividades de stewardship
O sétimo e último princípio do Código faz referência à importância de dar transparência às atividades de stewardship, garantindo que sejam divulgadas de forma clara e acessível.
Os investidores institucionais devem divulgar sua adesão ao Código Brasileiro de Stewardship, demonstrando o compromisso em seguir os princípios estabelecidos e elaborar relatórios periódicos sobre as atividades previstas, bem como os avanços relevantes na aderência a cada princípio.
Com isso, os investidores e demais stakeholders podem acompanhar o progresso e a eficácia das práticas de stewardship implementadas.
Tudo isso fortalece a governança corporativa das empresas investidas, promovendo a prestação de contas e a responsabilidade perante os beneficiários finais e demais grupos de interesse.
Cabe ressaltar que a transparência também cria confiança e possibilita que outros investidores e empresas observem e aprendam com as melhores práticas adotadas.
Em conclusão, é fundamental que os investidores institucionais compreendam a importância dos princípios e das práticas de stewardship, comprometendo-se a implementá-los em suas atividades de gestão, sempre visando o melhor interesse dos beneficiários finais.
O exercício dessas atividades, além de reforçar a governança e a competitividade operacional das empresas investidas, contribui para o fortalecimento de todo o mercado de capitais brasileiros, abrindo espaço, inclusive, para que empresas do Small/Middle Market também tenham acesso a fontes de funding mais competitivas.
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