Há algumas semanas não se fala em outra coisa a não ser a chamada “MP dos Super-Ricos“.
A Medida Provisória no 1184 (MP 1.184/2023) traz mudanças importantes sobre as regras de tributação de aplicações em fundos de investimento no país.
Entre as mudanças propostas está a tributação dos fundos de investimento fechados de renda fixa, multimercados e de direitos creditórios pelo “come-cotas”, além da aplicação de uma alíquota complementar do imposto de renda na data da distribuição, amortização, resgate ou alienação das cotas.
Por serem considerados estratégicos para o desenvolvimento econômico, os fundos imobiliários (FII) e de investimento nas cadeias agroindustriais (Fiagro) mantiveram seus benefícios fiscais, desde que tenham ao menos 500 cotistas.
Dessa forma, a “MP dos Super-Ricos”, como ficou conhecida, pretende melhorar a arrecadação e a situação fiscal do governo, gerando novas fontes de receita para o orçamento.
Neste artigo, vou abordar os principais pontos da MP 1.184/2023, suas implicações para os investidores, além dos seguintes tópicos:
O que é a MP 1.184/2023, a chamada “MP dos Super-Ricos”?
Acaba de ser publicada a MP 1.184/2023, que traz novas regras de tributação para fundos de investimentos, especialmente os fundos fechados e exclusivos, que antes só eram tributados no resgate ou na amortização das cotas.
Como principais pontos, a “MP dos Super-Ricos”, como ficou conhecida, estende a tributação periódica, geralmente chamada de “come-cotas”, para os fundos fechados e exclusivos e definiu novas regras para que o investidor pessoa física de um FII ou Fiagro aproveite a isenção de imposto de renda sobre suas aplicações.
Em especial, estes dois tipos de fundos, bastante populares entre investidores comuns, só terão isenção de imposto de renda se tiverem mais de 500 cotistas e se nenhum destes detiver mais de 10% do seu patrimônio.
Vale dizer ainda que, apesar de uma MP produzir efeitos imediatos, ela tem a vigência limitada a 120 dias, devendo ser aprovada pelo Congresso dentro desse prazo para que se torne uma legislação permanente e, por se tratar de matéria tributária, considerando o princípio da anterioridade, a cobrança só poderá valer a partir do próximo ano.
Na prática, portanto, a MP 1.184/2023 ainda não surtiu efeito e só terá sua aplicabilidade a partir do ano que vem, caso o legislativo a converta em lei no prazo previsto.
Vamos agora analisar alguns dos principais pontos da MP 1.184/2023 e avaliar suas implicações para os investidores.
Tributação de fundos fechados
Come-cotas
Além do imposto de renda retido na fonte (IRRF) na distribuição de rendimentos, amortização ou alienação das cotas, será aplicado o come-cotas semestral nos meses de maio e novembro, aplicando a alíquota de 15% para fundos com carteiras de longo prazo e 20% para fundos com carteira de curto prazo.
Caso a carteira do Fundo seja ilíquida, como ocorre nos Fundos de Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDCs NP), o investidor deverá disponibilizar previamente ao administrador o valor necessário para recolhimento do IRRF.
Tributação do estoque
Este é um dos pontos mais polêmicos da MP 1.184/2023, na medida em que determina que os rendimentos apurados pelos fundos fechados até 31 de dezembro de 2023 sejam tributados pelo novo regime, podendo o fundo optar por duas formas de pagamento:
- Alíquota de 15% sobre os rendimentos apurados durante todo período, pago em 24 parcelas mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira parcela até 31 de maio de 2024, incidindo sobre o saldo devedor juros equivalentes à Selic acumulada e sobre a parcela juros de 1% relativamente ao mês.
- Alíquota de 10%, podendo o pagamento ser feito em duas etapas, primeiro sobre os rendimentos apurados até 30 de junho de 2023, que poderá ser parcelado em 4 parcelas iguais, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 29 de dezembro de 2023, e, posteriormente, sobre os rendimentos apurados de 1º de julho de 2023 até 31 de dezembro de 2023, com pagamento à vista em maio de 2024.
Possíveis questionamentos judiciais
É possível que haja questionamentos judiciais à cobrança do imposto de renda retido na fonte sobre o estoque.
Isso porque, a lei tributária não pode alcançar fatos ocorridos antes da sua vigência. É o chamado princípio da irretroatividade da lei tributária, que possui fundamento tanto na Constituição Federal (artigo 150, inciso III, alínea a, quanto no Código Tributário Nacional (artigo 105).
No caso, os rendimentos auferidos pelos fundos até a vigência da MP 1.184/2023 foram auferidos sob a regra antiga, a qual estabelecia que tais valores somente seriam tributados no momento. Portanto, tais rendimentos somente estão sujeitos à incidência do IRFonte no momento do resgate ou amortização das cotas.
O governo entende que a MP 1.184/2023 seria válida, pois o que ocorreu foi apenas uma mudança do momento da tributação – a qual ocorreria de qualquer forma. Mas o momento de incidência do tributo – resgate e amortização, ou semestralmente, por meio do “come-cotas” – é um dos elementos essenciais do tributo e não pode ser mudado de forma retroativa, para atingir rendimentos que não seriam tributados naquele momento – ao contrário, seriam utilizados para reinvestimento, gerando mais dinheiro no mercado.
Destacamos que governos anteriores já buscaram modificar o momento de incidência de tributos de forma retroativa, e o Supremo Tribunal Federal decidiu de forma favorável aos contribuintes. Nesse sentido, por exemplo, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588, na qual se decidiu que as mudanças na tributação de lucros acumulados no exterior eram inconstitucionais.
Nesse contexto, entendemos que tanto administradores de fundo quanto os investidores (pessoas físicas ou jurídicas) podem discutir judicialmente essa mudança, por meio do “Mandado de Segurança” – ação judicial considerada mais rápida que as demais e que envolve custos menores, pois não tem produção de provas nem honorários.
Impacto da MP sobre fundos fechados e exclusivos
A MP 1.184/2023 pode ter grande impacto sobre os fundos fechados e exclusivos, que representam uma parcela expressiva do mercado de fundos de investimento no Brasil.
De acordo com os dados da Anbima, em junho de 2023, havia 1.837 fundos fechados e exclusivos no país, com um patrimônio líquido (PL) total de R$ 355,4 bilhões e 44.065 cotistas. Esses números correspondem a 89,83% do total de fundos fechados, 88,25% do PL total e 84,34% dos cotistas totais.
FUNDOS FECHADOS | ||
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QUANTIDADE | 1.675 | 81,91% |
VALOR PL | R$ 297.695.962.749,18 | 73,92% |
COTISTAS | 43.270 | 82,82% |
FUNDOS EXCLUSIVOS | ||
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QUANTIDADE | 162 | 7,92% |
VALOR PL | R$ 57.702.492.510,15 | 14,33% |
COTISTAS | 795 | 1,52% |
Tributação de FII e Fiagro
A MP 1.184/2023 ainda modificou as regras de isenção de imposto de renda de pessoas físicas que investem em FII (Fundo de Investimento Imobiliário) e Fiagro (Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais), passando a exigir que a negociação desses fundos ocorra, exclusivamente, em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado e que eles tenham, ao menos, 500 cotistas, ao invés dos 50 cotistas exigidos atualmente.
A medida estabelece ainda que nenhum cotista poderá deter mais de 10% das cotas do FII ou do Fiagro para ter direito à isenção.
Essas mudanças visam evitar a concentração e a manipulação do mercado por parte de grandes investidores e garantir que os benefícios fiscais sejam destinados aos pequenos e médios investidores.
Conclusão
A MP 1.184/2023 tem implicações importantes para os investidores e gestores de fundos de investimento fechados e exclusivos, na medida em que prevê a antecipação e o aumento da carga tributária sobre esses veículos de investimento, afetando negativamente sua rentabilidade e atratividade.
Por outro lado, a medida pode trazer mais isonomia e equidade entre os diferentes tipos de fundos de investimento no mercado de capitais, evitando distorções e privilégios para alguns segmentos do mercado.
É preciso ressaltar ainda que os setores imobiliário e agropecuário continuaram mantendo seus benefícios fiscais para os fundos de investimento setoriais, com poucas mudanças relevantes, no sentido de evitar privilégios indevidos.
Um dos pontos mais polêmicos da MP é a cobrança de imposto sobre os rendimentos acumulados pelos fundos fechados até o final deste ano, o que pode ser considerado uma retroatividade ilegal da lei tributária.
Essa questão pode ser levada à Justiça pelos contribuintes, que podem alegar que a MP viola o princípio da irretroatividade da lei tributária, que possui fundamento na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu favoravelmente aos contribuintes em casos semelhantes, como na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588.
Portanto, a MP 1.184/2023 é uma medida controversa e complexa, que pode gerar debates e conflitos entre o governo, o Congresso, o Judiciário, os investidores e os gestores de fundos de investimento.