Não demora muito para às vésperas da reunião do Copom, e nos momentos posteriores ao famoso encontro dos anciões do Banco Central, começarmos a ouvir os comentários: “a renda variável acabou” ou “tirando meu dinheiro de outras alocações, agora é o momento da renda fixa”.
Este comportamento, que apelidei de “dicotômico” e ”maniqueísta”, no sentido de eleger uma classe de ativos como a “melhor”, subjugando as demais como piores ou ‘vilãs’ para um dado momento, pode ser perigoso. Explico: isso porque ele foca no que Howard Marks gosta de chamar de “first level thinking” [pensamento de primeiro nível], quando nós raciocinamos levando em conta somente os fatores mais evidentes e acessíveis, ignorando as outras camadas de complexidade.
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O pensamento de primeiro nível assume o comando após as altas na nossa querida Taxa Selic, pois o consenso popular parece pensar no piloto automático. “Vamos partir pra renda fixa agora que a Selic está tão alta!”.
Apesar de ser sedutor pensar que com uma Selic a 13,25%, ao emprestar dinheiro para o governo o seu dinheiro passa a render a uma taxa exatamente igual a essa, a realidade é diferente. Principalmente se levarmos em conta um fator muito relevante, arrisco dizer dentre os mais importantes no mundo dos investimentos – a rentabilidade real.
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Fora outros fatores que também devem ser considerados como o mercado já precificou o fim do ciclo de alta, ou até mesmo o custo de oportunidade, propósito do investimento (preservar ou rentabilizar o patrimônio), giro de carteira e etc.
Vamos por partes: é bem verdade que tanto o Tesouro Selic pré-fixado (LTN) quanto o Tesouro Selic pós-fixado (LFT), tem sua rentabilidade atrelada à taxa Selic, sendo o primeiro com a taxa de rentabilidade conhecida e determinada antes do vencimento, e o segundo título tendo sua remuneração formada a partir das variações da taxa diária registrada entre a data de liquidação da compra e a data de vencimento do título.
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É bem verdade ainda, que um aumento na taxa Selic aumenta também, por sua vez, a remuneração dos títulos que são ligados a ela, embora seja válido lembrar que, no caso do Tesouro Pré, o aumento da taxa gera um efeito contrário nos preços dos títulos já negociados. No entanto, o principal ponto aqui é que não adianta a remuneração nominal aumentar, se a “taxa que consome o capital”, como diria Warren Buffett, também conhecida como inflação – aumentar tanto quanto, e ‘corroer’ os seus ganhos reais – ou rentabilidade real.
Vamos aos fatos:
- Se olharmos no site do Tesouro Direto hoje [dia 15/06/2022], o Tesouro Pré 2029, está remunerando 13,02% a.a. Fazendo uma simulação, no seu prazo de vencimento este título teria apresentado uma rentabilidade líquida (depois dos impostos), de 11,49% e uma rentabilidade real (considerando a inflação média da última década como métrica) de apenas 5,33% a.a.
- Conclusão: não podemos ter o pensamento de primeiro nível (embora seja sedutor), de olhar para esta rentabilidade em dois dígitos acompanhando as altas da Selic, sem levar em conta outros fatores, e principalmente – ela, que também tem aumentado consideravelmente – a inflação.
- Ah, mas e o Tesouro IPCA+? Pois bem, é verdade, por definição, que o Tesouro IPCA+ 2035 por exemplo irá lhe remunerar a inflação do período acrescida de 5,75% a.a. Contudo, na prática, a única coisa que sabemos é que o juro real que teremos sob o nosso capital investido é de 5,75% a.a., ou seja, a nossa taxa de rentabilidade real é de 5,75%.
- Portanto, a taxa do IPCA do período não entra na conta do retorno real, ela é mero fator de correção e não ‘bônus’ na rentabilidade como muitos pensam. Isso porque, como evidenciamos anteriormente, a inflação ao final será descontada para chegarmos no nosso rendimento real, ou melhor dizendo, no retorno que de fato representa o poder de compra no momento do resgate daquele montante investido.
- Um exemplo lúdico dado por Warren Buffett, frisa o ante explicado: Se você investisse um valor que compra 10 hambúrgueres hoje, recebesse um provento pelo investimento mais tarde que lhe pagasse o suficiente para comprar 2 hambúrgueres e, ao final, recebesse um montante capaz de lhe comprar mais 8 hambúrgueres, tudo que o seu dinheiro fez foi manter seu poder de compra, mas você não teve um retorno real. O megainvestidor ainda adiciona: “You may feel richer, but you won’t eat richer” [Você pode se sentir mais rico, mas você não comerá como se estivesse mais rico]. No final do dia, o seu dinheiro corrigiu a inflação, mas não incrementou em termos de retornos, este é o ponto.
Se você investisse R$ 100 hoje, que seria suficiente para lhe comprar 10 hambúrgueres, e ao final do investimento você resgatasse R$ 500 reais que ainda lhe comprassem os mesmos 10 hambúrgueres, ainda que você tenha obtido um rendimento nominal de 5x (sob o seu capital investido), perceba que não houve retorno real algum, você não teve um incremento no seu poder de compra, o valor investido apenas corrigiu a inflação do período.
Disclaimer, não estamos dizendo: “não vale a pena comprar Tesouro Selic ou Tesouro IPCA”, pois eles têm, de fato, seu fator de ‘preservação do capital’ e segurança, o ponto aqui é apenas evidenciar o papel que cada ativo desempenha em uma carteira. Desconstruindo também a ideia que surge em momentos como este de que o investidor deve se apegar a uma estratégia de investimento seguindo acontecimentos de curto prazo, como alta de juros, movimentações do dólar, dentre outros. Isso vale para a avaliação de outras alocações também, claro.
Ao nos atermos aos sedutores pensamentos de primeiro nível, movidos exclusivamente por um olhar nas taxas de rentabilidade, nos esquecemos de outros fatores tão importantes quanto. Fora o fato de que uma carteira altamente rotativa, pode prejudicar a rentabilidade total do seu portfólio.
Dito isso, vale frisar novamente que a renda fixa convencional, vulgo os títulos públicos, desempenham um papel importante em um portfólio, seja como uma fonte de segurança para uma reserva de emergência – pelo próprio fator de liquidez desses títulos, seja como fator de ‘preservação’ do capital (hedge), como mostra uma pesquisa da Vanguard em que durante a crise de 2008, enquanto no mercado de ações os preços despencaram 34%, os títulos de renda fixa entregaram um retorno superior a 8%.
No entanto, ter um portfólio composto somente por tais títulos, no sentido de esperar deles um fator de apreciação com capacidade de obter retornos de 5 a 10x sob o capital investido, como dizem no mercado (x bagger), vai frustrar quem espera.
Não é à toa que o maior investidor de todos os tempos, que bateu o mercado consistentemente aloca apenas 4% do seu portfólio bilionário em títulos públicos. O segredo para o sucesso dele talvez esteja em não se deixar levar por acontecimentos de curto prazo, imagina se ele tivesse escolhido alocar 100% em títulos públicos americanos na década de 80, quando a taxa de juros batia 20% a.a.? Ele definitivamente não teria tido a performance que o tornou famoso hoje, isso porque ele entende o papel que cada ativo desempenha no seu portfólio e prefere se ater a avaliar fatores do negócio, ao invés de arbitrar fatores macroeconômicos.
Para finalizar, fico com uma frase de Ray Dalio sobre a importância de compor um portfólio diversificado, que comporta upsides de cada classe de ativo e busca na descorrelação uma melhor performance, mais do que na tentativa de surfar a onda de fatores externos:
“É muito difícil fazer dinheiro no mercado, pelo mesmo motivo que é difícil ganhar dinheiro fazendo apostas em corridas de cavalos; isso porque os riscos desconhecidos são tão numerosos em relação aos que já são conhecidos, descontados ou precificados.”
“Por isso, enquanto você não sabe quais das suas apostas/investimentos, vão te gerar os melhores resultados, se você diversificar corretamente, você consegue ao menos saber que elas vão se comportar de uma forma diferente, e assim você consegue diminuir o risco.”