A crise do SVB (Silicon Valley Bank) aumentou a aversão ao risco nos mercados globais, diante de uma possível disseminação da corrida bancária para o setor financeiro mundial.
O banco, que era um player relevante no segmento de capital de risco e startups do Vale do Silício, anunciou, em 8 de março, um plano emergencial para levantar mais de US$ 2 bilhões, devido a perdas com ativos financeiros.
Os problemas da instituição começaram após a recente alta de juros nos EUA, que reduziu a liquidez abundante de venture capital responsável pelo crescimento de empresas de tecnologia em fase inicial de desenvolvimento.
Sem o acesso fácil a fontes de captação, essas startups foram obrigadas a recorrer aos seus depósitos bancários, e o SVB, instituição relevante do segmento, foi obrigado a vender títulos de sua carteira no prejuízo para atender aos resgates.
O caso ocorre no momento em que outros bancos de pequeno porte ligados a setores sensíveis a juros, como criptomoedas, também quebraram por problemas de liquidez, como Silvergate Capital e Signature Bank.
Estamos diante de mais uma crise bancária mundial capaz de atingir as instituições financeiras do Brasil?
Para entender melhor como a crise do SVB (Silicon Valley Bank) pode impactar os bancos brasileiros e acentuar a contração do crédito gerada pelo caso Americanas, elaboramos este artigo especial, que abordará os seguintes tópicos:
O que provocou a crise do SVB (Silicon Valley Bank)?
Em apenas dois dias, um grande banco regional dos EUA, que atendia o importante setor de tecnologia do país, quebrou por conta da corrida de seus clientes por depósitos na instituição.
Estamos falando do SVB, mais conhecido como Silicon Valley Bank, que tinha um patrimônio de cerca de US$ 210 bilhões e contribuiu para o crescimento das startups norte-americanas por 40 anos.
O caso gerou tanta repercussão que o governo dos EUA foi obrigado a intervir no setor para evitar uma disseminação do risco para outras instituições de crédito, principalmente as de grande porte.
E não foi por acaso: essa foi a segunda maior falência de um banco nos EUA desde a quebra do Lehman Brothers, que provocou a grande recessão de 2008.
O que gerou a crise do Silicon Valley Bank e por que ela está gerando tanta preocupação no sistema financeiro mundial?
De acordo com especialistas, o grande culpado pelos problemas de liquidez do SVB foi a recente alta de juros promovida pelo Banco Central dos EUA, o Federal Reserve, que subiu suas taxas de 0,25% para quase 5% em um curto espaço de tempo.
Essa ação acabou aumentando a restrição ao crédito fácil que fluiu por mais de uma década nos EUA e no mundo, permitindo que empresas em fase inicial de desenvolvimento conseguissem se capitalizar e financiar suas soluções, principalmente no setor de tecnologia.
Como explica Felipe Souto, CEO da Bloxs, plataforma de investimentos alternativos e de acesso ao mercado de capitais para pequenas e médias empresas:
O fato é que a fonte de “dinheiro fácil” gerado pelos juros baixos nas principais economias secou. Empresas não lucrativas ou em setores pouco regulamentados passaram a enfrentar restrições cada vez maiores para se financiar, diante da normalização das taxas ao redor do mundo. E o que provocou esse movimento dos bancos centrais foi o aumento da inflação, que atingiu as máximas de 40 anos nos EUA e na Europa.
Felipe afirma ainda que, com os juros maiores, a paciência dos investidores ficou menor. Para ele, o custo de oportunidade dos juros maiores faz com que os investidores não queiram esperar tanto tempo para ver o retorno do seu capital.
O investimento em uma startup costuma levar cerca de cinco anos para começar a gerar retorno, e os juros mais altos deixam os investidores menos pacientes nesse sentido. Assim, com a queima de caixa, muitas startups tiveram que recorrer aos depósitos bancários. Ao que tudo indica, a crise do SVB ocorreu pelo alto volume simultâneo de resgates de clientes do banco, formados em sua maioria por startups.
Por que o aumento de juros nos EUA levou à crise do SVB?
Por lei, os bancos devem manter certo nível de liquidez imediata para garantir os depósitos dos clientes, mas podem utilizar uma parte desses depósitos para conceder crédito com prazo mais longo e investir em ativos financeiros líquidos e seguros, como títulos públicos.
Dessa forma, quando há uma corrida bancária, como ocorreu com a crise do SVB, os bancos envolvidos precisam vender os ativos financeiros do seu portfólio para atender às solicitações de resgate dos seus clientes.
Ocorre que, apesar de seguros, os títulos públicos não são isentos de risco e podem gerar grandes perdas financeiras aos titulares, devido à marcação a mercado. E foi justamente isso o que ocorreu com o Silicon Valley Bank.
Como o volume de solicitações de resgates superou a liquidez disponível em caixa do banco, ele precisou vender títulos do Tesouro americano que tinha em carteira no prejuízo para atender às requisições dos clientes, o que acabou gerando graves perdas financeiras para a instituição.
Quando os juros básicos sobem, o valor dos títulos existentes cai, o que pode impactar a liquidez de um banco se este precisar vender esses papéis para fazer caixa. Essa perda pode ser ainda mais grave se os títulos que o banco mantém em carteira forem de longo prazo, impactando sua capacidade de cumprir suas obrigações.
Dessa forma, é essencial que os bancos gerenciem devidamente sua exposição a títulos públicos, especialmente em relação às variações na taxa de juros, que podem gerar oscilações em seu patrimônio financeiro.
Resposta das autoridades americanas à crise do SVB
A quebra do Silicon Valley Bank ocorre na esteira de outras falências no sistema financeiro dos EUA, especialmente de instituições ligadas a setores mais sensíveis a juros, como criptomoedas e startups.
Nisso se insere o colapso da plataforma de negociação de criptoativos FTX, o banco Silvergate Capital, que atendia empresas do espaço cripto, e o Signature Bank, outro banco especializado em empresas de tecnologia em fase inicial de desenvolvimento.
Tradicionalmente, as autoridades americanas realizam intervenções em instituições financeiras de grande porte, que representem um grave risco sistêmico de desestabilização de toda a economia do país e, potencialmente, do mundo.
No caso do SVB, apesar de ser um banco regional de menor porte, o Tesouro dos EUA entendeu que era possível que houvesse uma corrida bancária por depósitos em outras instituições e, por isso, resolveu usar os recursos do fundo FDIC (parecido com o Fundo Garantidor de Crédito no Brasil), para assegurar os depósitos dos clientes, mesmo com a falência do banco.
Crise do SVB pode impactar sistema de crédito brasileiro?
O Silicon Valley Bank era um player relevante no mercado de capital de risco e financiamento de startups, e a quebra de um banco como ele pode ter efeitos em cadeia sobre todo o sistema financeiro.
Entre os problemas econômicos que a crise do SVB pode causar, podemos citar:
- Risco de contágio: a quebra de um banco relevante como o SVB pode gerar desconfiança em relação a outras instituições financeiras, levando seus clientes a resgatar seus depósitos. Isso pode gerar problemas de liquidez e provocar a falência inclusive de bancos de grande porte, representando, portanto, um risco sistêmico.
- Contração do crédito: como os problemas do SVB envolviam empresas com dificuldades de caixa, outros bancos podem contrair suas concessões de crédito, por conta do aumento do risco, dificultando o acesso dessas empresas a fontes de financiamento.
- Contração econômica: a maior dificuldade das empresas em obter crédito e se financiar poderia obrigá-las a tomar medidas drásticas de redução de custos, como demissões em massa, e até mesmo deixar de cumprir obrigações junto a instituições financeiras e fornecedores, gerando um efeito em cadeia.
- Resposta regulatória: devido à crise bancária, as autoridades regulatórias poderiam tomar medidas para restringir as normas operacionais dos bancos, impactando sua rentabilidade e suas operações ao redor do mundo.
Dessa forma, a crise do SVB pode ter impactos indiretos sobre o sistema financeiro brasileiro, já que outras instituições e empresas com exposição ao banco podem enfrentar dificuldades, aumentando o risco de contágio e provocando uma contração do crédito e da economia mundial.
É preciso lembrar que o sistema financeiro atual opera de forma cada vez mais interligada, o que aumenta enormemente a possibilidade de disseminação da crise.
Isso se torna mais relevante em um cenário de juros altos, maior aversão ao risco, menor crescimento econômico e níveis mais elevados de inadimplência de consumidores.
Em conclusão, mesmo se tratando de um banco regional, a crise do SVB pode aumentar a desconfiança dos depositantes em outras instituições financeiras similares, provocando a quebra de mais bancos e perdas financeiras para seus clientes, o que acentuaria o quadro já crítico de restrição de crédito e desaceleração econômica em alguns setores.
Como o sistema financeiro mundial opera de forma interligada, a crise do SVB poderia ter efeitos secundários no mercado de crédito brasileiro, já abalado por escândalos inesperados, como o caso Americanas. Isso ressalta a importância de que as empresas mantenham boas práticas de gestão de caixa e busquem formas alternativas de financiamento no mercado de capitais, caso necessário.