A MP 1171/23 é uma medida provisória adotada pelo governo para compensar perdas de arrecadação com a atualização da faixa de isenção de imposto de renda de pessoas físicas, através da tributação de bens e investimentos no exterior.
É essencial que os investidores estejam atentos às discussões e aos desdobramentos dessa medida no Congresso Nacional, já que pode ter grande impacto sobre seu planejamento tributário e ganhos com aplicações fora do país.
O objetivo do governo é aumentar a arrecadação nos próximos anos, a fim de cobrir perdas com a promessa de campanha de corrigir distorções na tabela de imposto de renda, há muitos anos sem atualização.
Com isso, o Ministério da Fazenda espera arrecadar cerca de R$ 3,25 bilhões neste ano e quase R$ 3,6 bilhões em 2024, como forma de compensar uma perda de receita de R$ 3,2 bilhões em 2023 e R$ 5,88 bilhões em 2024.
A decisão baseia-se no fato de que, segundo o governo, mais de R$ 1 trilhão em ativos de pessoas físicas no exterior não pagam praticamente nada de imposto sobre rendas passivas, como juros, royalties, etc.
Além disso, visa combater o uso de estruturas offshore para evitar ou postergar o pagamento do imposto, aperfeiçoando a tributação de ativos financeiros no exterior de pessoas residentes no Brasil.
Neste artigo, vamos entender em detalhes como funciona a MP 1171/23 e quais são os impactos que a medida pode ter nas decisões de alocação de recursos fora do país.
Os tópicos que vamos abordar a partir de agora são os seguintes:
O que diz a MP 1171/23 em termos gerais?
Para cumprir uma promessa feita ainda durante a campanha eleitoral, o governo publicou, em maio deste ano, a MP 1171/23, que visa corrigir algumas distorções tributárias.
De fato, há muitos anos a tabela de imposto de renda não passava por atualizações, fazendo com que pessoas físicas que ganham menos de dois salários mínimos tivessem que pagar o tributo.
Para tanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que seja feita a devida recomposição das perdas aos cofres públicos, com medidas claras e específicas sobre a fonte de compensação dessa medida.
Em comunicado, o Ministério da Fazenda afirma que a medida é amplamente recomendada pela OCDE:
O Brasil passa a adotar regra já utilizada pela maioria dos países desenvolvidos, como Alemanha (desde 1972), Canadá (1975), Japão (1978), França (1980), Reino Unido (1984), China (2008), entre outros. A medida é
De forma geral a MP 1171/23 estabelece as seguintes medidas:
- Uma regra para evitar a postergação de rendimentos obtidos por pessoas físicas através de entidades controladas no exterior.
- Regulação da tributação de ativos financeiros no exterior detidos por pessoas físicas.
- Implementação de uma nova regra geral de tributação dos rendimentos provenientes de investimentos no exterior, através de uma tabela separada com alíquotas progressivas que variam de 0% a 22,5%.
- Introdução de um novo conjunto de regras para a tributação de trusts.
- Permissão para que contribuintes atualizem o valor de seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, sujeitando a diferença entre o custo de aquisição e o valor atualizado (ganho de capital) a uma alíquota fixa de 10%, desde que o imposto seja pago até o final de 2023.
- Alteração dos valores da tabela mensal do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas e modifica os valores das deduções previstas na legislação.
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A MP 1171/23 em detalhes
De acordo com a medida, os rendimentos do capital aplicado fora do país serão tributados separadamente, com isenção para valores de até R$ 6 mil anuais.
As alíquotas para rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil serão de 15%, ao passo que para valores acima de R$ 50 mil, a taxação subirá para 22,5%.
Anteriormente, os ganhos de capital de até R$ 35 mil mensais não eram tributados, com alíquotas variando de 15% a 22,5% para valores acima desse montante.
Offshores
Além disso, o governo procurou uniformizar a tributação de offshores, empresas abertas em “paraísos fiscais”, a fim de combater a prática de diferir (postergar) o pagamento de impostos sobre rendimentos obtidos através de entidades controladas no exterior.
Muitos contribuintes otimizam seu planejamento tributário de aplicações financeiras no exterior, criando estruturas jurídicas em países com regimes fiscais favoráveis, onde os impostos sobre rendimentos e lucros são mais baixos ou até mesmo inexistentes.
Isso é feito através de Controlled Foreign Companies, ou CFCs, no intuito de adiar o pagamento de impostos sobre tais rendimentos até o momento da sua repatriação ao país de residência ou distribuição na forma de lucros.
Trata-se de uma estratégia utilizada por indivíduos de todo o mundo para reduzir a carga tributária sobre seu patrimônio.
Dessa forma, a MP 1171/23 busca combater essa prática, ao instituir medidas que visam tributar adequadamente os rendimentos auferidos por meio de CFCs, com regras de tributação específicas e alíquotas progressivas, evitando que os contribuintes deixem de pagar ou adiem a tributação de seus rendimentos no Brasil.
Segundo o governo, a intenção é promover a justiça fiscal, dificultando essas estratégias de planejamento tributário que procuram reduzir ou diferir o pagamento de imposto sobre rendimentos e bens no exterior.
Empresas estrangeiras
A MP 1171/23 também determina a tributação automática dos lucros de empresas estrangeiras que sejam controladas por pessoas físicas residentes no Brasil.
Dessa forma, os lucros dessas empresas serão tributados no momento em que forem apurados em balanço, mesmo que não sejam distribuídos ou disponibilizados aos sócios no Brasil.
Anteriormente, os lucros dessas companhias só eram tributados quando fossem efetivamente distribuídos aos sócios. Com a nova regra, a tributação ocorrerá independentemente da distribuição de lucros, garantindo uma arrecadação mais imediata para o governo brasileiro.
Bens e direitos no exterior
A MP 1171/23 também determina que a atualização dos valores de bens e direitos no exterior seja sujeita à tributação.
Essa atualização consiste em ajustar os valores dos ativos detidos no exterior ao seu valor de mercado em 31 de dezembro de 2022.
A diferença entre o custo de aquisição original e o valor de mercado atualizado será considerada um ganho de capital, devendo, assim, arrecadar o imposto.
A alíquota aplicada a esse ganho de capital será de 10%. Assim, o contribuinte deverá pagar 10% sobre a diferença entre o valor original de aquisição dos bens e direitos e o seu valor atualizado de mercado.
Para garantir essa alíquota, o pagamento do ganho de capital deve ser feito até o final do ano de 2023.
Trusts
A MP 1171/23 também trata da tributação de trusts no Brasil, preenchendo uma lacuna legal que existia até então.
O trust é uma estrutura utilizada em diversos países para diferentes finalidades, como organização de sucessão, filantropia, previdência, seguros, entre outras.
No Brasil, não havia uma regulamentação específica sobre a tributação dessas entidades, o que gerava incertezas e lacunas legais.
Com a medida provisória, estabeleceu-se uma regra sobre a tributação dos trusts, reiterando uma orientação já adotada pela Receita Federal em relação ao tratamento dessas estruturas para fins tributários. Isso traz mais clareza e segurança jurídica para os contribuintes e para o próprio sistema tributário brasileiro.
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Críticas à MP 1171/23
Uma matéria publicada pelo Valor Econômico traz uma série de críticas de advogados tributaristas, que apontam assimetrias em relação aos investimentos no Brasil, além de possíveis problemas em relação à tributação automática de lucros de empresas estrangeiras.
De acordo com o advogado Hermano Barbosa, sódio do tributário do BMA Advogados, em entrevista ao jornal:
Com a nova regra, o investidor (sócio residente no Brasil) pode se ver obrigado a pagar um imposto no Brasil sobre valores que talvez ele não possa sequer distribuir pela sua controlada estrangeira, porque deveriam primeiramente compensar prejuízos ou formar reservas.
Para o advogado Edgar Santos Gomes, sócio do Terciotti, Andrade, Gomes, Donato Advogados, “era uma questão de tempo para o governo impedir o diferimento eterno”.
No entanto, o especialista aponta que pode haver discussão judicial sobre a medida, haja vista que pode haver o risco de dupla tributação de empresas estrangeiras.
A rigor, quem poderia tributar é apenas o país onde está sediada a empresa.
De forma geral, é possível dizer que a MP 1171/23 trouxe mudanças significativas para a tributação de rendimentos no exterior por meio de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts.
Seu objetivo, de acordo com declarações de integrantes do governo, é compensar perdas arrecadatórias, corrigir distorções tributárias e trazer maior equidade ao sistema tributário brasileiro.
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