A reforma tributária em discussão no Congresso Nacional tem a difícil missão de modernizar o sistema arrecadatório brasileiro, caracterizado pela alta complexidade, burocracia e regressividade.
Simplificar a coleta de impostos, promovendo a produtividade, a previsibilidade e o estímulo aos investimentos, está no centro da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45/2019), que será debatida no Senado Federal, após sua aprovação na Câmara dos Deputados.
De forma geral, a principal mudança trazida pela nova legislação é a extinção de cinco tributos, sendo três deles federais e dois de caráter local.
Em seu lugar, entrarão em cena dois impostos sobre valor agregado (IVA): a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando os tributos federais, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), extinguindo os tributos estaduais e municipais.
Para compensar as possíveis perdas com incentivos e benefícios fiscais, será criado um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com aportes da União fora das regras de teto de gastos.
Com isso, espera-se colocar um ponto final nas distorções e ineficiências do atual sistema tributário, melhorando a alocação de recursos produtivos e investimentos em nossa economia, além de reduzir a litigiosidade gerada pelas numerosas divergências de interpretação.
Neste artigo, vamos explorar a fundo as principais mudanças da reforma tributária e como ela pode promover o desenvolvimento econômico do país, mediante a simplificação e a modernização do regime arrecadatório atual.
Os tópicos que vamos abordar a partir de agora são os seguintes:
Reforma tributária: um ensaio que durou 30 anos
Há mais de três décadas a reforma tributária vem sendo ensaiada, mas com poucos avanços concretos no sentido de tornar nosso sistema de impostos menos complexo, burocrático e regressivo.
A realidade mudou a partir do andamento da Proposta de Emenda Constitucional 45, de 2019, que visa reduzir os elevados custos administrativos e a insegurança jurídica do atual regime arrecadatório.
Um dos principais problemas do sistema atual de arrecadação é a cumulatividade dos impostos indiretos, como o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
A razão é que eles incidem sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva, sem descontar o imposto pago na etapa anterior, o que provoca um efeito em cascata, que acaba elevando a carga tributária final sobre os bens e serviços.
Esse efeito é prejudicial sobretudo para as atividades produtivas de cadeia longa e para os setores que exportam ou competem com importados, na medida em que pagam impostos sobre insumos que não são tributados nos outros países.
Cabe ressaltar ainda as distorções na tributação da renda das pessoas físicas e jurídicas, já que a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) não é atualizada há muitos anos, fazendo com que muitos contribuintes paguem mais imposto do que deveriam, sem falar nas numerosas isenções e deduções que beneficiam os contribuintes de maior renda, como os rendimentos de aplicações financeiras e os gastos com saúde e educação.
Já as empresas têm uma alíquota nominal de 34% de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mas na prática pagam bem menos, pois podem usar diversos mecanismos de elisão e evasão fiscal, como a distribuição de lucros e dividendos isentos, o planejamento tributário abusivo e a sonegação.
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Por que reformar?
A reforma tributária proposta pelo governo federal tem como objetivo simplificar e racionalizar o sistema tributário, tornando-o mais justo e eficiente.
A nova legislação se divide basicamente em três partes:
- A primeira trata da unificação do PIS/Cofins em um único imposto sobre valor agregado (IVA) federal, chamado de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS);
- A segunda trata da alteração das regras do IRPF e do IRPJ/CSLL;
- A terceira trata da criação de um imposto seletivo sobre alguns produtos específicos, como combustíveis, cigarros e bebidas alcoólicas.
A principal vantagem da reforma tributária é a eliminação da cumulatividade dos impostos indiretos, com a adoção de um IVA federal não cumulativo, o que faz com que o imposto seja cobrado apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva, descontando-se o imposto pago na etapa anterior.
Com isso, reduz-se a carga tributária final sobre os bens e serviços, aumentando a competitividade das empresas brasileiras no mercado interno e externo, além de facilitar a fiscalização e o controle dos tributos.
Outro ponto positivo da reforma tributária que precisa ser mencionada é a correção das distorções na tributação da renda das pessoas físicas e jurídicas. A proposta prevê a atualização da tabela do IRPF, com a criação de uma faixa de isenção maior e a redução das alíquotas para as demais faixas.
Além disso, devem ser eliminadas algumas isenções e deduções que favorecem os contribuintes de maior poder aquisitivo, como os rendimentos de aplicações financeiras e os gastos com saúde e educação.
Já as empresas terão uma redução da alíquota nominal de IRPJ/CSLL, mas também terão uma tributação sobre os lucros e dividendos distribuídos aos sócios, que hoje são isentos. Essas medidas visam tornar a tributação da renda mais progressiva e equitativa, fazendo com que os que ganham mais paguem mais e os que ganham menos paguem menos.
Afinal, como funciona o IVA da Reforma Tributária?
Em um artigo publicado na Folha de S. Paulo, a fim de rebater as críticas que vêm sendo feitas à atual proposta de reforma tributária, o professor e pesquisador de economia da FGV, Samuel Pessôa, explicou o seguinte sobre o Imposto sobre Valor Agregado (IVA):
O IVA é um imposto simples. A empresa paga uma alíquota sobre a suas vendas — o seu faturamento — e recebe um crédito da mesma alíquota sobre o valor da compra de matérias-primas e bens intermediários. Os créditos e débitos nos diversos elos da cadeia produtiva reduzem em muito o custo para o Fisco da fiscalização. Os próprios produtores fiscalizam seus fornecedores. Adicionalmente, o IVA é um imposto neutro em relação à organização da produção. Isto é, o imposto pago será o mesmo quer uma etapa da produção ocorra no interior da empresa, isto é, seja verticalizada, ou se será adquirida no mercado, isto é, será terceirizada.
Samuel Pessôa explica ainda que os IVAs previstos na reforma tributária serão cobrados no destino, não na origem, beneficiando nossas exportações, além de ser criado um imposto seletivo para produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Além disso, o professor da FGV destaca que os entes federativos terão autonomia para definir a alíquota básica do IVA e que haverá uma alíquota reduzida para alguns setores, como saúde, educação, transporte público, cultura e agropecuária.
Alguns setores terão um regime especial, como imóveis, serviços financeiros, seguros, loterias e planos de saúde. Com isso, a expectativa é que a reforma tributária traga simplificação, produtividade, crescimento e redução de conflitos.
Principais mudanças da reforma tributária (PEC 45/2019)
De forma geral, a reforma tributária baseia-se no substitutivo preliminar da PEC número 45 de 2019, cujo objetivo é substituir cinco tributos (três federais e dois locais) por um IVA dual e um imposto seletivo.
Os dados fornecidos a seguir baseiam-se em uma apresentação preparada pelos advogados tributaristas do escritório Salusse Marangoni.
Criação do IVA dual
- CBS: imposto da União, administrado pela Receita Federal, substituindo PIS/Cofins.
- IBS: imposto dos estados, distrito federal e municípios, administrado pelo Conselho Federativo, substituindo ICMS e ISS.
Imposto Seletivo
Será criado Imposto Seletivo, que substituirá o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Sua incidência será sobre a produção, a comercialização e a importação de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos previstos na nova lei.
A alíquota poderá ser alterada por Decreto e integrará a base de cálculo dos tributos sobre consumo atuais (ICMS e ISS) e futuros (IBS e CBS), podendo alcançar a produção, comercialização ou importação de bens que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus, o que garante tratamento favorecido às operações originadas na região.
IBS e CBS
- Terão incidência sobre uma base ampla de bens materiais e imateriais, inclusive direitos e serviços.
- Não terão cumulatividade plena, e o tributo devido será compensado com o crédito de todas as aquisições de bem, material ou imaterial, ou serviço, com exceção apenas para uso ou consumo pessoal.
- Haverá incidência “por fora” sobre base líquida do preço.
- Sua cobrança será feita no destino, e não na origem.
- Haverá desoneração de investimentos.
- Não terão incidência sobre exportações e serviços de comunicação.
- Legislação única: será editada uma lei complementar para regular a cobrança.
- Será vedada a concessão de incentivos e benefícios fiscais, salvo exceções previstas na PEC.
Alíquotas-padrão
Uma resolução do Senado Federal fará a fixação da alíquota referencial do imposto para cada esfera federativa, cuja aplicação será obrigatória durante o período de transição. A estimativa é que, para substituir a arrecadação atual, seja necessária uma alíquota média de:
Essas alíquotas precisarão ser confirmadas no primeiro ano de teste do novo sistema da reforma tributária.
Após transição, cada ente terá autonomia para fixar suas alíquotas por lei própria, válida para todo consumo ocorrido dentro do seu território. Como regra geral, haverá uma alíquota uniforme, fixada pelo Senado e pelo ente federativo, que será a mesma para todas as operações com bens ou serviços dentro do território do ente.
O IBS será cobrado pela somatória das alíquotas do estado e do município de destino da operação, e a CBS será cobrada pela alíquota da União.
Exceções à alíquota-padrão
Haverá a redução de 50% das alíquotas para bens e serviços dos seguintes setores:
- serviços educação, saúde e de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano; medicamentos e dispositivos médicos.
- produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal; e
- atividades artísticas e culturais nacionais.
Além disso, está prevista a redução da alíquota em 100% e isenções para:
- medicamentos: poderão ter alíquotas reduzida a zero;
- transporte público poderá ser isento;
- Redução de 100% da alíquota da CBS sobre o Prouni;
- pessoas físicas que desempenhem atividades agropecuárias, pesqueiras, florestais e extrativistas vegetais in natura não submetidas ao IBS e a CBS;
- opcional para o produtor rural com faturamento de até R$ 2 milhões.
Regimes tributários e crédito presumido
- Regimes tributários favorecidos para Cashback, Plataformas Digitais e Regimes tributários específicos.
- Crédito presumido nos casos de aquisição de bens móveis usados para revenda e aquisição de produtores rurais não contribuintes.
Fundo Nacional de Desenvolvimento
Instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento para redução das desigualdades regionais e sociais, com recursos destinados a estudos, projetos e obras de infraestrutura, fomento a atividades produtivas e promoção do desenvolvimento científico e tecnológico.
Benefícios de ICMS convalidados
- Aportes em um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou financeiros-fiscais para compensar as perdas dos benefícios concedidos por prazo certo e sob condição.
- Os benefícios fiscais do ICMS convalidados até 2032 pela LC 160 serão mantidos através de dois mecanismos.
Transição para o novo modelo
- Transição dos tributos antigos para os atuais em 8 anos.
- Transição para o princípio do destino em 50 anos, entre 2029 e 2078.
Entes Públicos
- Entrada proporcional do IBS e extinção proporcional do ICMS e do ISS entre 2029 e 2032.
- Vigência integral do novo sistema da reforma tributária com extinção do antigo a partir de 2033.
- Monofasia, alíquotas uniformes e concessão de crédito para contribuintes do imposto no caso de combustíveis e lubrificantes.
IPVA, ITCMD, e IPTU
Alterações nos impostos sobre veículos aquáticos e aéreos (IPVA), transmissão de bens (ITCMD), e imposto predial e territorial urbano (IPTU).
Conselho Federativo
Órgão com gestão compartilhada por estados, DF e municípios, responsável por coordenar a atuação integrada dos entes federativos na fiscalização, lançamento, cobrança e representação administrativa e judicial do IBS.
Conclusão
A reforma tributária apresentada por meio do substitutivo preliminar da PEC nº 45, de 2019, traz uma proposta abrangente para a reestruturação do complexo sistema tributário brasileiro atual.
O objetivo principal, como vimos, é substituir cinco tributos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual e um Imposto Seletivo, visando simplificar a arrecadação, reduzir a burocracia e promover maior equidade fiscal.
O IVA dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), será administrado pela Receita Federal e pelo Conselho Federativo, respectivamente. Esses impostos terão alíquotas-padrão e uma base ampla, englobando bens materiais ou imateriais, direitos e serviços.
A não cumulatividade plena, a incidência “por fora” e o princípio do destino são princípios importantes que serão adotados nesse novo modelo.
Além disso, a reforma tributária prevê a criação de um Imposto Seletivo, que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a fim de desestimular a produção e a comercialização de produtos nocivos, estabelecendo uma alíquota passível de ser alterada por decreto.
Cabe lembrar que a transição para o novo sistema proposto pela reforma tributária será realizada ao longo de um período de oito anos, permitindo uma adaptação gradual tanto para os entes públicos quanto para os contribuintes. Durante esse período, haverá a extinção proporcional do ICMS e do ISS, substituídos pelo IBS, e a entrada gradual da CBS, com a extinção do PIS/COFINS.
A proposta também aborda benefícios e exceções em determinados setores, como a redução de alíquotas para produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e atividades artísticas e culturais nacionais, prevendo regimes tributários favorecidos e crédito presumido em casos específicos.
Para garantir a equalização das perdas decorrentes dos benefícios fiscais, será criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento, que destinará recursos para reduzir as desigualdades regionais e sociais, investindo em infraestrutura, atividades produtivas e desenvolvimento científico e tecnológico.
Em suma, podemos dizer que a reforma tributária proposta tem como objetivo principal simplificar e tornar mais justa a arrecadação de impostos no Brasil. Com a unificação de tributos e a adoção de novos princípios, a intenção é aumentar a eficiência e a transparência do sistema tributário, estimulando o crescimento econômico e reduzindo as desigualdades.
É importante destacar, entretanto, que essas propostas ainda estão em fase de discussão no Congresso Nacional e podem sofrer alterações, conforme evoluam os debates na sociedade e no setor produtivo.